Tava louca pra escrever esse post, e achei que ia sair de boa e rápido. Mas olha… foi muito tempo escrevendo e reescrevendo, entrando em contato com o que eu realmente queria dizer. Acho que estou pronta.”Ninguém aqui tem diploma de recreadora”. Leia bem e sinta essa frase. Tem frase melhor pra uma codependente ou pra alguém cheio de culpa, tentando agradar? Caramba – eu pensei quando ouvi – ela é muito boa! E forte. A metáfora é ótima: uma recreadora, alguém que é paga pra entreter as pessoas e fazerem elas se sentirem bem e animadas. Pegou aí em você também?
Bem, isso foi o que eu ouvi da Rosângela Teixeira, minha professora de assuntos junguianos, num curso há alguns finais de semana atrás. Toda vez que ela repetia isso me fazia rir e me ajudou a pensar de um jeito novo, aquilo o que eu já ouvi um milhão vírgula novecentas e quarenta e duas vezes: “A gente não veio aqui pra fazer o outro feliz”, ou “A gente não está aqui para fazer o outro se sentir bem”. Que alívio, não? E isso parece meio óbvio (e ao mesmo tempo chocante pra muita gente: como assim não viemos fazer o outro feliz? (vou falar no final desse post sobre isso). Mas a parte do óbvio é o que pega, porque até pouco tempo atrás eu achava que entendia muito disso e que este não era meu caso.
Vou te contar primeiro – rapidamente, juro – sobre mim, e depois um pouco de como se parece ser recreadora no dia-a-dia, depois coisas muito importantes que precisamos saber e que acredito, que todas as partes desses relatos você possa encontrar alguns pedaços dela, da sua recreadora, dentro de você, se ela estiver aí. O texto tem duas partes, recomendo demais ler as duas, a segunda parte tem coisas muito importantes que precisamos saber para transformamos este impulso em nós.
UM BREVE HISTÓRICO DA RECREADORA EM MIM
O que o outro sente na verdade sempre foi a minha prioridade, mas eu não me dava conta. É tão automático não é?
Sempre pensei, sem saber, que se eu fizesse bem pro outro, o outro me devolveria o mesmo e assim a vida seguiria. Achei que todo mundo tinha bem claro esse acordo: eu era responsável pelo o outro, e algum outro seria responsável por mim. E eu só precisava garantir um outro pra mim, sempre. Esse é o contrato da vida e das relações certo?
Bé, Ariana. Ledo engano. Parece que eu havia entendido alguma parte essencial sobre se relacionar muito errado. Precisei voltar pro prézinho, nos últimos anos.
Percebi que passei a maior parte da minha vida “esperando”. Isso soa familiar pra você? Esperando o outro reconhecer o que eu abria mão por ele. O outro reconhecer o quanto eu me esforçava pra ele ficar bem. Esperando, resumidamente, o outro me reconhecer. Reconhecer e, claro, me devolver algo. Algo que me preenchesse. Uma espera incansável.
Uma espera assim: “na próxima vou fazer ainda melhor e a recompensa finalmente virá”. E eu pensava: Como esperei mais (porque a espera é assim, ela só aumenta), serei recompensada mais ainda. O próprio esperar já fazia parte de ser boa, de ser recreadora, de tirar nota 10. Esperar quietinha sem reclamar vai me levar em algum lugar.
Acho que a espera é uma companheira fiel de quem pensa assim. Uma espera esconderijo, esperança triste, que nos acompanha, enquanto tentamos indiretamente preencher esse algo dentro que está tão vazio, com algo fora que seja tudo menos nós mesmas.
E então, fui percebendo: o “outro” foi minha prioridade, ser recreadora era uma profissão, um diploma que eu carregava. Tanto por eu sentir demais o que “outro” sentia e precisava – por ter nascido assim altamente sensível – e também quanto por ter desenvolvido desde cedo como defesa de “sobrevivência” comportamentos codependentes: ser útil, não incomodar, resolver a tensão e desconfortos da minha casa, esconder o que tava sentindo, precisando, etc. Adicionando a isso o fator social que nós mulheres, somos encorajadas pela sociedade a nos vermos assim. Nós, mulheres, somos santas, compreensivas, nós trazemos a paz, e somos e seremos a razão da felicidade do viver dos nossos parceiros, familiares, amigos, e depois filhos se os tiver. Somos luz, raio, estrela, luar e manhã de sol, “aiai” e “ioio” se precisarmos ser.
Mas sabe o que eu descobri? É exaustivo ser raio, estrela e luar das pessoas. Ninguém havia me contado dessa parte. E a música certamente não diz isso.
A grande maioria de nós, pelo curso “natural” da vida, também aprendeu na infância, algo que pra mim me marcou muito: POUPAR. O outro, os familiares. A recreadora vive poupando. Quem se tornou codependente desde cedo, muito provavelmente se sentia algum tipo de incomodo ou fardo, que dava muito trabalho e parecia distrair os adultos das coisas mais importantes do que nós que eles tinham pra fazer. Algumas de nós aprendemos: somos amadas porque somos responsáveis, úteis, práticas, “nos cuidamos” sem pedir muita coisa, e cuidamos muito bem do outro.
E então ou pela infância, ou pela cultura, quase todas nós internalizamos um pouco disso em alguma instância. E faz parte mesmo do viver ter um pouco disso. Afinal, infelizmente ou felizmente, nesse planeta maluquinho nosso as coisas ficam confusas mesmo. Parece que é pra ser assim porque é assim que se aprende e cresce por aqui. E parece também que a tarefa seja exatamente inverter isso: viver é aprender a seguir o nosso próprio caminho. Nos individuar. Nós tornamos nós mesmas: “Torna-te”. E os desafios foram lançados. A todos. O arquétipo da recreadora esta por ai, no ar.
Comigo foi assim. Sem perceber, defini para mim desde cedo: a minha prioridade como ser humano no planeta terra é ou deve ser: Fazer o outro “se sentir bem” – tirar o outro de qualquer tipo de sofrimento, tensão ou desconforto, e por um tempo isso pareceu que me levaria há algum lugar, e levou, atraiu muita gente também.
Mas eu me via e me achava tão diferente disso sabe? Não me via como uma agradadora. Isso parecia uma fraqueza que eu jamais admitiria. Então me enganei a achar que eu me achava fodona – na cama eu esculacho. Achei que se eu tava fazendo isso “de agradar” era para o meu próprio bem porque ganharia algo em troca. Que eu obviamente estaria me priorizando. Que eu estava me cuidando dançando essa dança. Que eu estava aonde? Sim, no controle. Sempre achei isso.
Então eu me tornei uma pessoa “boa”, ou “recreadora”, “bem resolvida”, ou uma “fortona”. Porque neste papéis todo mundo gosta de mim ou precisa de mim. Ou eu não precisava de ninguém. E tudo fica bem. Felizes para sempre.
Hoje vejo claramente como era a recreadora dentro de mim agindo. E como isso é forte pra mim. E neste processo de mudança que estou, observo tantas vezes: O instinto de recrear tá ali em tudo, o tempo todo, quando você passou uma vida querendo proteger, poupar, tirar o outro do seu desconforto.
Percebo que confundi esses instintos codependentes de: proteger o outro (antes de mim), cuidar do outro (antes de mim), deixar o outro confortável (antes de mim) com AMAR. Entendi que amor era: sempre, fazer o outro se sentir bem – e rápido, tirar o outro de qualquer agonia, culpa emocional, principalmente se a culpa fosse “causada” por mim.
E confundi recreação com viver.
Isso me ajudou a ter a ilusão de controle nas relações. Me fez parecer conseguir de alguma forma burlar o medo de perder as relações. Porque se o outro se sentir bem não corro o risco de perder o outro, certo? Isso parecia me proteger de ser rejeitada, de ser conhecida. Se eu focar no outro, não preciso me mostrar: inteira – como sou realmente, imperfeita, em dúvida, nem tão boa, nem tão luz, raio, estrela e luar, mas também nem tão ruim. Apenas um ser humano latino americano, como todos os outros.
Mas como age uma recreadora? E o que precisamos saber para podermos começar a mudar?
Agora, vamos para a SEGUNDA PARTE DESTE TEXTO NO PRÓXIMO POST, clique aqui. Nele vou te contar alguns exemplo cotidiano de como a recreadora em nós e o que precisamos saber para começar a transformar isso.
E como sempre eu quero muito saber: Como é isso pra você, me conta, nos comentários abaixo, tudo sobre o que sentiu, sobre como é isso pra você? Eu sempre amo ler vocês e tê-las aqui.
p.s.: Até amanhã, domingo, 07/10/18, fica no ar a aula que gravei com tudo que queria que tivesse me falado sobre codependência, limites e amor-próprio: https://www.youtube.com/watch?v=3uAZGeOI-j0
Assim com o prazo pra se inscrever no meu novo projeto: SURTEI A TOA, que criei pra gente poder se aprofundar nestes 3 temas, para saber mais: www.surteiatoa.com.br