Essa é a segunda parte do texto: Parte #1: “Ninguém aqui tem diploma de recreadora” sobre agradar, poupar, proteger, tranquilizar, encobrir, fazer todo mundo se sentir confortável o tempo todo, cuidar e ajudar. Se você ainda não o leu, nele conto um pouco da recreadora em mim. Leia aqui.
(continuando)
Mas como age uma recreadora?
Pois bem, vejamos alguns exemplos cotidianos de como se comporta a RECREADORA em nós. Do diploma que precisamos rasgar. Do curso que precisamos parar de atender: O curso de formação de recreadoras para a Vida:
O outro me machucou, emocionalmente (ou até fisicamente) e estou o que? Estou lá tentando amenizar pra ele. Pra ele não ficar desconfortável com o que fez. Estou lá, preocupada com o outro sofrer de culpa e ficar triste. Preocupada, porque, afinal, algo em mim me diz: eu aguento (sou mais forte, logo superior). Sem perceber que eu não aguento é ver o outro no desconforto.
Já se viu fazendo isso? De recreadora do outro, pra fazer ele se animar, quando a machucada foi você?
Ou então. Sabe quando alguém acabou de fazer algum tipo de cagada ou em família, no trabalho, ou em algum grupo que você está, e tudo que você tá louca que aconteça é que todo mundo só volte a se sentir confortável de novo? E quem tem a tarefa de fazer isso na sua cabeça é sempre você? Você sempre precisa amenizar o ambiente. Se esse é SEMPRE o papel que você precisa fazer, ele provavelmente, vem do diploma de recreadora.
Pode acontecer quando estamos num restaurante/loja onde somos atendida e alguém erra alguma coisa. Algo que era responsabilidade dela mas que algo dentro de nós nos diz assim: EU tenho que fazer ela se sentir bem pelo erro que cometeu? Sou EU quem precisa salvaguardar os sentimentos desta pessoa.
Podemos confundir nossa pessoa física e pessoa jurídica também. Como trabalhei em comércio desde nova: o cliente sempre tem razão e o bem estar dele vem em primeiro lugar – virou meu lema. Então sempre fui muito bem recompensada por essa qualidade de fazer o outro se sentir bem, o que me confundiu mais ainda porque me deu muito destaque, e rápido, profissionalmente. Levei o lema do trabalho pra vida, mas isso não pode funcionar como um valor.
Você pode perceber por exemplo, também, quando entra num estabelecimento, ou numa festa que está meio vazia, se você se vê sofrendo e com muito medo. Temos medo de que o lugar vai falir, ou ficamos mal pela festa ou pelo negócio ainda estar começando. Queremos logo ajudar. (E tudo bem as vezes, não é mesmo?). Mas já percebeu que o que não queremos é ver ninguém tendo que lidar de fato com a realidade? Com as dores do processo de ter que construir as coisas, de esperar, de lidar com o processo do que é simplesmente viver. Não queremos que as pessoas tenham que lidar com as consequências de que se as coisas não forem bem feitas e pensadas talvez o negócio não dará certo mesmo por enquanto. Que se não construímos relações sólidas, ou se não nos priorizarmos talvez as pessoas não virão a festa.
A verdade é que a gente passa mal com o desconforto do outro. E arrisco dizer com quase muita certeza de que é porque nós não queremos sentir. E, calma, respiremos. Se abrace, pois temos nosso legítimos motivos para termos desenvolvido tanto medo disso. No fundo dizemos que sentimos muito mas não queremos sentir, e o que dói é a resistência. E por estarmos de alguma forma longe de nós, do nosso sentir, de nossos verdadeiros sentimentos, vontades, gostos e desgostos, o sentir do outro nos ameaça.
Percebi, que a recreadora em mim, quer sempre que o outro se sinta super a vontade perto de mim, querer que o outro confie muito e rápido em mim sem termos nos dado tempo de construirmos isso de verdade, ou nem de saber se queremos construir isso.
Já descobri até poupar meu próprio diário de mim mesma. Escrevo diário desde meus, 6 anos de idade, mais ou menos. E descobri que para ele eu tinha que dar uma aliviada ou dizer que tava de alguma forma no controle pra poupá-lo. Percebi fazer isso porque senti a vida toda que os adultos a minha volta não iam dar conta de mim. Então aprendi a poupá-los e hoje vejo, e me estou me perdoando por isso, o quanto eu perdi deles me conhecerem de verdade. Poupei até meu diário de me conhecer. Ou seja, me poupei de eu mesma saber de mim. E com isso eu não demonstrei nem pra eles, e nem pra mim mesma o que precisava.
A recreadora em mim quando o outro contava piada chata, sem graça e incomôda, até mesmo sobre mim, ou quando o outro era irônico e sarcátisco de uma maneira que me incomodava, ria ou sorria pra não deixar o outro sem platéia e nem o deixá-lo sem graça. Não dando a chance dele poder entender que o que ele falou não era tão, ou nada, bom assim.
A recreadora em mim quer até resolver as tensões que acontecem dentro de mim. Se alguém não me fizesse me sentir bem por algum motivo, e eu de alguma forma desenvolvesse uma antipatia, eu precisava resolver até isso. Me esforçar um pouco mais pra gostar dela, porque a recreadora em mim não poderia sentir esses desconfortos.
E antes da gente seguir pro final deixa eu dizer uma coisa importante:
Eu não vivi só sendo a agradável tá? Pelo contrário, quem me conhece poderá dizer, que sempre oscilei muito, entre querer agradar demais e ir para o “foda-se-todo-mundo-eu-não-ligo-pra-ninguém”, sabe como? É o que muitas de nós fazemos tentando sair da coisa toda de ser recreadora. E tudo isso trouxe coisas boas? Sim. Mas no fundo eu tava ainda querendo aprovação através desse papel. Ainda estava querendo agradar, querendo me provar mais forte. Me fazer de tô-nem-ái sem ser de verdade, assim como agradar demais, só me isolava, me fechava, ou fortalecia no outro a ideia de que eu tava mais bem resolvida do que tava e de que não precisava de ninguém.
Dito isso, podemos continuar. Você pode estar pensando: Me explica melhor Ariana isso de “não estamos aqui para fazer o outro se sentir bem”.
Deixar de ser recreadora, não é sobre fazer mal pro outro. Não é sobre deixar o outro mal propositalmente, não é sobre negar ajuda. Nem deixar de ser legal.
É sobre priorizar a única coisa que temos controle: nós mesmas. É sobre focar no que é nosso. A nossa parte.
Dizemos que estamos mal, tristes, que não temos vontade, não sabemos o que desejamos ou não sabemos o que queremos fazer da vida. Mas como poderíamos nos sentir diferentes, se na verdade, silenciosamente ou não, nossa meta ainda é: fazer o outro se sentir bem e tirar o desconforto do mundo.
Pra mim parece necessário ouvir: “Não temos curso de recreadora” muitas vezes. É um grande alívio! É o tipo de coisa que é bom pra mim lembrar todos os dias e quiça considerar tatuar, na testa, rs. E isso não inválida jamais viver em harmonia com o outros, ou deixar de me envolver, e me relacionar. Pelo contrário, faz eu entrar mais com tudo mais inteira do que pela metade nas coisas. Faz eu poder estar em contato com tudo que quero e também com o que eu não quero. E isso é o que faz com que eu possa começar a criar intimidade real, ter relações mais reais, verdadeiras e saudáveis.
Deixar o outro saber realmente o que se passa em mim, e deixar o outro fazer a parte dele: expressar o que se passa dentro dele. E poder começar a crescer de verdade numa relação. E isso é o que eu quero.
Para uma codependente, recuperação significa: se dar permissão de se sentir “egoísta”. Egoísta no sentido do que ela considerava antes ser egoísta, mas que na verdade não é (você só será egoísta mesmo se NUNCA ligar para o que o outro sente ou se NUNCA quiser compartilhar nada, ou se SEMPRE apenas dizer não).
Parar de ser recreadora significa que podemos perceber que: A gente perde tanto tempo tentando provar ser boa porque na verdade a gente não acredita ser. E começar a cuidar disso. Começar a se saber suficiente.
Parar de ser recreadora significa parar de tentar perdoar todo mundo (ufa, que alívio) e sim começar a se perdoar por tudo que sentimos. Deixar de focar no outro. Parar de tentar ser um ideal de pessoa que só sente coisas boas. E olhar pra nossa própria culpa, nos darmos o colo que precisamos, e nos liberar do passado que carregamos como peso.
Saber que aturar o comportamento ruim do outro, poupar o outro de respostas emocionais negativas, ou negar dizer como nós nos sentimos (e não como eles nos fazem nos sentir), não é se relacionar saudavelmente. Pode ser difícil pro outro lidar com a parte dele, sim. Talvez ele precise aprender sobre isso e pode ser difícil pra nós testemunharmos isso também. Mas talvez seja isso que precisamos para mudar e crescer, da mesma forma.
Não ser uma recreadora é saber que desconforto e tensão precedem a expansão e a transformação. Quando nos metemos no processo do outro tentando o tirar prematuramente do desconforto, muitas vezes estamos tirando o outro de justamente aquilo que ele precisa passar para acertar lá na frente. É lembrar que o doente só vai buscar ajuda quando ele sente a dor dele.
E isto é estar na realidade. O outro sentir o que é do outro e nós o que é nosso. Chama-s realidade, e é o único lugar onde as coisas realmente acontecem. E isso é difícil. Estar de fato na realidade. Pelo menos pra mim. Mas cada dia tem melhorado um pouco mais.
Largar a recreadora é aceitar que a vida é desconfortável, e que ela nos pede coragem de atravessar os desconfortos.(Penso que talvez eu tenha nascida ariana, pra descobrir essa verdadeira coragem em mim). Tudo que vale a pena viver vem com desconforto. Pra nascer, ou pra dar início a qualquer coisa e precisamos sair do conforto.
E a gente nasceu, e passou por desconfortos para termos uma vida. Uma vida nossa. Gastar ela pra tirar o desconforto emocional do outro, que pode fazer ele crescer, não pode de ser a nossa razão de estar aqui não é mesmo?
Parar de recrear para parar de achar que para sermos amadas precisamos nos esforçar e ir além dos nossos limites.
Carregamos muita culpa, inconsciente, pela ideia de que precisamos ser boazinhas, e jamais conseguimos chegar nesse ideal. Andamos por ai, todos nós pelo mundo, com síndromes de impostores porque temos que esconder quem somos de verdade. Esconder que nós sentimos tudo, sobre todo mundo, o tempo inteiro.
Eu preciso estar de olho na parte em uma parte em mim que prefere morrer do que ver o outro desconfortável. Porque ser recreadora do outro é muitas vezes o oposto de ser compassiva e boa pra mim mesma.
A verdade é que nos enganamos de compreensivas. Sim, leia com amor: Primeiro porque não somos com nós mesmas, e segundo porque só somos compreensivas até a página dois, quando estamos em relações superficiais sem a nossa entrega, sem nos mostrarmos de verdade, ou seja, no controle. Quando realmente entramos na relações para ter entrega e intimidade nos deparamos com uma “eu” nossa muito diferente da recreadora, cheia de intolerâncias, que encontra um milhão de defeitos nos outros, como de fato fazemos com nós mesmas. E assim nós nos protegemos do amor, por medo. Achamos defeitos nele. Em nós, nos outros. Mas calma. Respiremos. A gente precisa se perdoar por isso, saber que faz parte, se abracar e saber: é bom saber disso sabe por que?
Saber que não somos tão compreensivas assim nos deixa livres para abandonar mais facilmente a máscara da recreadora. Aceitar quem somos e o que sentimos e olhar pro medos é o primeiro passo para ficarmos com nós mesmas. Saber que, sim, tem partes nossas intolerantes nos ajuda a poder amadurecer e crescer. E entender que muito disso é saudável porque nos indica que não aceitamos tudo, e que gostamos de algumas coisas e outras não. E cada passo que nos olhamos com mais verdade confiamos mais em nós mesmas e nos sentimos menos mentirosas, assim vamos nos sentido seguras pra ser quem realmente somos com o que realmente sentimos.
Respiremos. Você não está sozinha.
E agora, separei para nós, de uma texto da Bethany Webster (valeu Bethany e valeu Mel Setubal por me enviar esse texto!) fatos e dicas importantes para PARAR DE TENTAR RESOLVER A TENSÃO E O DESCONFORTO de todos e do mundo.
Leia com atenção e carinho:
>> Aqui exemplos de como não ser mais uma recreadora que corre pra resolver o desconforto e tensões da vida:
- permitir que as pessoas experimentarem seus desapontamentos sem precisar correr para consertá-los
- colocar limites sem se sentir obrigada a dar explicação
- dizer não como uma frase completa em sim mesma
- confiar que todos os outros adultos podem tomar conta das suas próprias necessidades
- não atribuir a insatisfação das pessoas a algo que você fez de errado
- permitir que as pessoas processem suas emoções negativas sem perceber isso como um problema a ser resolvido
- não correr para preencher o vazio numa conversa
- confiar que se as pessoas tiverem um problema com você, elas vão te falar. E até lá, não rumine sobre isso
- Tomar as pessoas pelas palavras delas e não tentar assumir coisas ou ler mentes
- Permitir que as pessoas experimentem as consequências naturais das suas ações sem tentar correr para proteger elas disso
- Ouvir seu eu interior e fazer o que é certo para você. E não usar o possível desconforto dos outros como o que determina as suas escolhas. (senti um leve tapa na cara aqui?)
>> Aproprie-se do que é seu e solte o resto. Algumas coisas para lembrar:
- Dizer “Não”, não é equivalente ao “Abandono” (choquei a primeira vez que li isso de tão real que isso me parecia)
- Não estamos abandonando outros adultos quando dizemos não
- Quando não corremos para resolver o desconforto ou tensão no ar, um espaço se abre para que algo novo aconteça (forte, forte, forte! respiremos)
- Nossa corrida para resolver a tensão e desconforto reflete como não tivemos outra escolha como crianças. Hoje é sobre nós e não sobre os outros
- Correr para resolver tensões e desconfortos é roubar as pessoas das suas próprias experiências
- Ficar presente, “hold space” e testemunhar é uma forma de respeito
Novas crenças para nós, podem incluir:
- Eu posso ser eu mesma separada dos outros e ser amável,
- Eu posso tolerar outras pessoas não me entendendo,
- Eu estou segura mesmo quando as pessoas não gostam de mim.
E assim encerro esse longo post: “Ninguém aqui tem curso de recreadora.”
Meu sonho de codependente é imaginar o dia em que nós vamos experienciar alguém se sentir mal e não iremos sentir que é com nós mesmas, ou nossa culpa ou responsabilidade.
E me pergunto. Enquanto vivo o processo de transformação: Como é estar numa relação em que isso não seja o principal? O que é então se relacionar realmente? Venho aprendendo. Focando e ficando com o que é saudável ao meu redor, ou transformando o que ainda não é. E estamos juntas nisso!
E como sempre eu quero muito saber: Como é isso pra você, me conta, nos comentários abaixo, tudo sobre o que sentiu, sobre como é isso pra você? Eu sempre amo ler vocês e tê-las aqui.
p.s.: Até amanhã, domingo, 07/10/18, fica no ar a aula que gravei com tudo que queria que tivesse me falado sobre codependência, limites e amor-próprio: https://www.youtube.com/watch?v=3uAZGeOI-j0
Assim com o prazo pra se inscrever no meu novo projeto: SURTEI A TOA, que criei pra gente poder se aprofundar nestes 3 temas, para saber mais: www.surteiatoa.com.br